Debate sobre realização de rodeios enche plenário da Câmara
Com grande participação popular, a Câmara de Viçosa promoveu ontem, quinta-feira (2), uma audiência pública sobre o Projeto de Lei nº 84/2025, que propõe autorizar a realização de rodeios no município, respeitando normas de proteção e bem-estar animal. Atualmente, a prática de rodeios e eventos similares que envolvam animais é proibida em Viçosa pela Lei Municipal nº 2689/2018 (artigo 15, inciso II, alínea "h"). Com o plenário cheio, a discussão entre defensores e críticos da prática durou quase três horas.
Convocada pela vereadora Marly Coelho (PRD) e transmitida pelos canais oficiais da Câmara e pela TV Viçosa, a audiência ouviu especialistas em medicina veterinária, protetores de animais e profissionais ligados ao rodeio, convidados pelo autor do projeto, vereador Rogério Fontes (Tistu) (PP).
Durante a abertura, Marly destacou que optou por conduzir o debate de forma técnica, chamando especialistas para tratar do tema, mas reforçou sua posição crítica em relação aos rodeios. Ela afirmou que “o medo, o pavor e a ansiedade são condições que impomos aos animais pelo domínio” e ressaltou que a tradição não pode justificar práticas que, em sua avaliação, ferem o bem-estar animal. Para a parlamentar, “o fim não deve justificar os meios e o bem-estar precisa ser levado mais a sério”, lembrando que os animais não têm escolha ao serem submetidos a esse tipo de espetáculo.
Representando o Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais (COMDEA), a veterinária Juliana Freire, chefe do Departamento de Bem-Estar Animal da Prefeitura, ressaltou a importância de ampliar o diálogo entre o setor agropecuário e os órgãos de defesa animal. “Eu senti muita falta da participação dos que são a favor do rodeio em conjunto com nosso departamento. Nunca recebi ninguém desse meio para conversar”, afirmou. Ela destacou que o objetivo do bem-estar animal “não é atrapalhar ninguém, é para ajudar os produtores” e convidou representantes do setor a participarem das reuniões do Conselho, realizadas mensalmente. Segundo Juliana, a ausência desse debate ao longo dos anos contribuiu para o distanciamento entre as políticas públicas e a realidade do campo.
A zootecnista Isabela Nascimento, voluntária da SOVIPA (Sociedade Viçosense de Proteção aos Animais), afirmou ser contrária ao uso de animais em rodeios, defendendo que a prática representa sofrimento em nome do entretenimento humano. “Não somos contra festas ou manifestações culturais, mas somos contrários ao uso de animais como instrumento de diversão”, destacou. Ela lembrou que o rodeio é uma tradição importada e não originária de Viçosa e alertou que sua aprovação “não estaria apenas permitindo uma prática cultural, mas legalizando o sofrimento animal em nome de entretenimento”. Para Isabela, é possível manter tradições e fortalecer a economia local sem explorar seres vivos, respeitando a legislação e os avanços científicos sobre bem-estar animal.
A vereadora Marly reforçou que os rodeios não podem ser tratados como tradição em Viçosa, já que, segundo dados da Prefeitura, o último evento desse tipo ocorreu em 2011. “Não podemos falar que é cultural da cidade um negócio que não existe”, afirmou. Ela também rebateu o argumento de que o rodeio seria necessário para gerar empregos, citando a festa da cidade como exemplo: “Foram 2.000 postos de trabalho gerados sem rodeio, e a festa foi um sucesso”.
A legalidade da prática no país foi defendida pelo advogado e locutor de rodeios Roginei Marcelo Oliveira Almeida, argumentando que o rodeio é reconhecido como manifestação cultural e possui regulamentação específica. “Não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizam animais, desde que sejam manifestações culturais e regulamentadas por lei que assegure o bem-estar”, afirmou, citando o artigo 225 da Constituição e decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. Para ele, a legislação municipal que proíbe rodeios em Viçosa “nasceu inconstitucional” e não pode se sobrepor às normas federais. O advogado ainda reforçou a ideia de que a lei não pode proibir previamente o rodeio com base em suposições de maus-tratos. “Não existe, do ponto de vista constitucional, maltrato prévio. Maltrato só existe no fato real, assim verificado e comprovado. Não há possibilidade de eu imaginar um futuro talvez, quem sabe, maltrato”, salientou.
O argumento foi rebatido pela veterinária Stella Diogo Fontes, representante técnica do GRAD Brasil (Grupo de Resposta a Animais em Desastres), que afirmou que os rodeios submetem os animais a dor e estresse já comprovados por estudos e laudos técnicos. “Negar essa realidade não a torna inexistente”, ressaltou. Para ela, a defesa do rodeio com base na geração de emprego e turismo ignora que eventos culturais sem exploração animal também movimentam a economia local, como a festa da cidade realizada recentemente. Stella defendeu que a decisão sobre o projeto deve refletir responsabilidade social e respeito à vida: “Temos diante de nós uma escolha: manter práticas ultrapassadas em nome do entretenimento ou construir uma sociedade que valoriza a compaixão e o avanço coletivo”.
O médico veterinário e juiz de rodeio Paulo Henrique Resende Cardoso defendeu que o rodeio profissional segue normas rigorosas de bem-estar animal e é regulamentado pela Lei Federal nº 10.519/2002. Ele relatou sua trajetória no meio e reforçou que maus-tratos não são tolerados em eventos oficiais. “Se vocês virem um rodeio amador, denunciem, inclusive a mim. Eu sou defensor do bem-estar animal”, afirmou.
Paulo destacou que os animais utilizados passam por inspeções veterinárias antes, durante e depois das provas, e que equipamentos como a corda de flanco servem apenas para cadenciar o pulo, não para causar dor. Ele também ressaltou que touros e cavalos de rodeio são geneticamente selecionados, bem alimentados e tratados como atletas. “Não é qualquer animal que vai para a arena. Um touro de rodeio pode valer até R$ 1 milhão. Quem investiria esse valor em um animal maltratado?”, questionou.
A médica veterinária Vânia Plaza Nunes, perita em maus-tratos, vice-presidente do GRAD Brasil e representante do Fórum Animal, participou de forma remota e apresentou dados técnicos e científicos sobre o impacto dos rodeios nos animais. Ela destacou sua experiência de mais de 40 anos na medicina veterinária e ressaltou que sua fala se baseia em pesquisas realizadas em Minas Gerais, em parceria com o Ministério Público e a UFMG.
Segundo os laudos analisados pelo projeto Peritos da Coordenadoria Estadual de Defesa dos Animais, a maioria dos rodeios apresenta irregularidades. Entre os dados expostos por Vânia, estão: 50% dos eventos avaliados contavam com apenas um veterinário responsável, considerado insuficiente; 25% não tinham documentação completa exigida por lei; 20% não apresentavam a guia de trânsito animal; 17% não apresentavam exames e vacinas obrigatórios; 90% tinham condições ambientais inadequadas; 75% dos animais avaliados apresentaram lesões, muitas relacionadas ao uso de esporas, sedém e cordas; 95% dos eventos mostraram índices comportamentais inadequados, indicando estresse e sofrimento dos animais.
A perita ressaltou que, além de lesões físicas, os animais sofrem abusos emocionais e comportamentais, uma vez que são submetidos a situações contínuas de estresse, como fogos de artifício, barulho excessivo e separação social. “Os peões escolhem estar ali, mas os animais não. Eles são obrigados a participar”, disse.
Vânia também lembrou que a ciência já reconhece os animais como seres sencientes e conscientes, capazes de sentir dor, medo e sofrimento, mas também prazer e bem-estar. Para ela, a alegação de que o rodeio representa tradição ou desenvolvimento econômico não justifica práticas que expõem animais ao sofrimento.
O vereador Tistu defendeu o projeto de lei de sua autoria. Segundo ele, a proposta não tem ligação com companhias do setor, mas busca reconhecer o rodeio como manifestação cultural, já regulamentada pela legislação federal, destacando que mais de 550 municípios mineiros realizam rodeios e citando Barretos (SP) como referência. Para o parlamentar, os rodeios atuais são profissionais, seguem normas de bem-estar animal e não podem ser comparados a práticas do passado.
Ele também afirmou ser contra maus-tratos e convidou representantes da causa animal a acompanhar de perto os eventos. “Queremos regulamentar e garantir boas práticas. O projeto é constitucional e Viçosa não pode ficar de fora dessa tradição”, concluiu.
A discussão também contou com falas do público presente e participação dos vereadores Wallace Francis, Sérgio Marota, Cristiano Gonçalves, Ronildo Ferreira, Jamille Gomes, Vanja Honorina e do presidente Robson Souza. Todas as falas podem ser conferidas na gravação disponível no canal da Câmara no YouTube.
Ao encerrar a audiência, a vereadora Marly reforçou seu posicionamento contrário ao rodeio em Viçosa. Ela fez uma analogia sobre os cuidados oferecidos aos animais: mesmo que tenham alimentação, transporte e abrigo de qualidade, eles não têm direito de escolha e são submetidos a sofrimento durante os eventos.
Marly destacou que seu compromisso é lutar para que rodeios não aconteçam na cidade e convidou a população a refletir sobre os custos do evento, sugerindo que os recursos poderiam ser usados em alternativas de lazer que não envolvam exploração animal. Ela finalizou afirmando que, nos rodeios, os animais sempre perdem.
Confira o álbum de fotos da audiência.
Assessoria de Comunicação
Foto: Divulgação/Câmara de Viçosa