Audiência pública aponta desafios e próximos passos para a inclusão escolar em Viçosa
A Câmara Municipal de Viçosa realizou, na noite desta terça-feira (16), uma audiência pública para debater a inclusão nas escolas da rede municipal de ensino. A iniciativa foi proposta pelo vereador Professor Idelmino (PCdoB), por meio do Requerimento nº 82/2025. O plenário da Câmara recebeu autoridades, profissionais da educação, representantes de conselhos, pais e membros da comunidade.
Ao abrir os trabalhos, Idelmino destacou a relevância e a sensibilidade do tema, ressaltando a expressiva participação do público como reflexo da importância do debate. Para conduzir a audiência, compuseram a mesa a secretária municipal de Educação, professora Renata Cruz; a coordenadora do setor de inclusão do município, Laura Oliveira; o presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, Israel Rosa Silva; a defensora pública Nilza Martins Pataro Machado; e Patrícia da Silva Leandro, mãe de aluno atendido pela inclusão. Também participou de forma remota a professora e pesquisadora Carla Solomé, referência nacional na área da educação inclusiva.
Idelmino apresentou um panorama histórico da legislação brasileira voltada à inclusão escolar, desde a Constituição Federal de 1988 até os decretos federais mais recentes, publicados em 2025, que atualizam a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva. Segundo Idelmino, apesar dos avanços legais ao longo das últimas décadas, ainda há desafios significativos para que a inclusão seja efetivada de forma plena e eficiente no âmbito municipal.
O parlamentar explicou que a rede municipal de Viçosa atualmente se orienta por um guia de educação especial e inclusiva elaborado em 2019, mas que a publicação dos novos decretos federais exige revisões e adequações na política local. Diante disso, a audiência teve como objetivo principal discutir a situação atual do atendimento inclusivo nas escolas do município e os encaminhamentos necessários para os próximos anos.
Em seguida, a secretária municipal de Educação, Renata Cruz, apresentou um panorama da educação especial na perspectiva inclusiva em Viçosa, destacando que o tema tem sido tratado como prioridade pela atual gestão desde que assumiu a pasta, em outubro.
Durante a exposição, a secretária explicou que, embora a educação especial inclusiva seja um direito assegurado por lei e uma modalidade transversal da educação básica, o município ainda não possui uma política municipal formalizada sobre o tema. Atualmente, a rede se orienta por um guia de educação especial elaborado em 2019, que organiza o atendimento educacional especializado, institui as salas de recursos multifuncionais e define instrumentos como o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI), mas que não tem força de lei e necessita de atualizações.
Segundo Renata, Viçosa conta hoje com 19 escolas municipais, que atendem 315 estudantes com laudo de deficiência, transtornos do espectro autista ou altas habilidades, além de outros 90 alunos em processo de investigação. No entanto, existem apenas quatro salas de recursos multifuncionais em funcionamento, localizadas em unidades específicas da cidade, o que limita o atendimento especializado. Atualmente cerca de 100 estudantes são atendidos nas salas de recursos, número considerado insuficiente diante da demanda existente. Ela ressaltou que, por se tratar de um atendimento realizado em contraturno e com matrícula dupla, o município deixa de acessar aproximadamente R$ 2 milhões em recursos por não conseguir atender todos os alunos que necessitam desse suporte. Os demais estudantes recebem acompanhamento, em sua maioria, por meio de estagiários, profissionais ainda em formação, o que evidencia a necessidade de uma estrutura mais qualificada e permanente.
Outro ponto destacado foi o crescimento expressivo das matrículas. Apenas na educação infantil, o aumento foi de mais de 250% nos últimos anos, percentual semelhante ao registrado no ensino fundamental, o que intensifica a pressão sobre a rede, as equipes escolares e a oferta de profissionais com formação específica.
Na sequência, a coordenadora do setor de inclusão da Secretaria Municipal de Educação e Esportes, Laura Oliveira, reconheceu os desafios enfrentados ao longo de 2025 e ressaltou que a equipe da secretaria tem se organizado com base nos decretos federais mais recentes, especialmente na atualização publicada no início de dezembro. Ela explicou que uma das principais mudanças previstas é a substituição do modelo atual, baseado em estagiários, pela atuação de profissionais de apoio, conforme determina a nova legislação. Para viabilizar essa transição, a Secretaria de Educação já constituiu uma equipe multidisciplinar responsável pela realização de estudos de caso dos estudantes atendidos pela inclusão. Segundo ela, esse processo já está em andamento e envolve representantes da própria secretaria e das escolas.
Ainda de acordo com a coordenadora, os estudos de caso estão sendo realizados com base em relatórios pedagógicos, planos de atendimento e demais documentos educacionais, uma vez que o novo decreto dispensa a exigência de laudo médico para esse tipo de avaliação. O objetivo é concluir o levantamento ainda neste ano, para dimensionar de forma precisa a quantidade de profissionais de apoio necessária em 2026 e, a partir disso, abrir processo seletivo específico. Esses profissionais deverão ter, no mínimo, ensino médio completo e passar por formação continuada com carga horária mínima de 180 horas antes do início do próximo ano letivo.
Laura também abordou a ampliação das salas de recursos multifuncionais. Atualmente, a rede municipal conta com quatro unidades, mas a secretaria já realizou visitas técnicas às escolas para avaliar a estrutura disponível e identificar novos espaços. A expectativa é abrir mais cinco salas de recursos, totalizando nove, o que permitirá ampliar significativamente o atendimento educacional especializado e reduzir a perda de recursos federais.
Complementando a exposição, a secretária Renata anunciou que a Prefeitura pretende encaminhar à Câmara Municipal uma proposta de política municipal de atendimento educacional especializado. A política prevê a institucionalização do profissional de apoio, a regulamentação do atendimento educacional especializado e a definição de critérios de formação para os profissionais envolvidos, incluindo os professores das salas de recursos.
O presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, Israel Rosa Silva, chamou atenção para a falta de dados atualizados sobre a população com deficiência no município. De acordo com ele, as informações oficiais ainda se baseiam no Censo de 2010, que apontava cerca de 16 mil pessoas com deficiência em Viçosa. Estimativas atuais indicam um número em torno de 20 mil, mas, segundo Israel, a ausência de dados oficiais dificulta o planejamento e a efetividade das políticas públicas. Nesse sentido, ele solicitou o apoio da Câmara para a atualização dessas informações.
A professora e pesquisadora Carla Salomé participou da audiência de forma remota e trouxe uma análise técnica sobre a educação especial na perspectiva inclusiva. Mãe atípica, professora do atendimento educacional especializado e pesquisadora da área, Carla ressaltou que sua relação com a educação especial se dá na teoria, na prática profissional e na vida pessoal, acompanhando as políticas públicas do setor desde o final da década de 1990.
Ao comentar a realidade de Viçosa, Carla destacou que teve acesso ao guia atualmente utilizado pelo município e apontou inconsistências no documento, especialmente na confusão entre as atribuições do professor do atendimento educacional especializado e do profissional de apoio, funções distintas dentro da política de inclusão. Segundo ela, para que a inclusão se efetive para além do aspecto legal, é necessário mais do que cumprir normas: é preciso acreditar e agir, com sensibilidade, respeito e capacidade de se colocar no lugar do outro.
A pesquisadora elogiou a iniciativa da Secretaria Municipal de Educação de estruturar uma política municipal, ressaltando que Viçosa está à frente de muitos municípios ao optar por transformar diretrizes em uma política com força de lei. Carla Salomé afirmou ainda que teve acesso ao texto da proposta que será encaminhada à Câmara e avaliou o documento como robusto e alinhado aos decretos federais mais recentes que regulamentam a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva. Entre os pontos positivos, destacou a regulamentação do atendimento educacional especializado em salas de recursos multifuncionais, a exigência de formação adequada para os professores do AEE, a criação do cargo de profissional de apoio escolar, a formação continuada, a atuação de equipes multidisciplinares, a regulamentação dos planos de atendimento e a previsão de parcerias intersetoriais.
A defensora pública Nilza Martins Pataro Machado, que atua na área da infância e juventude, explicou que acompanha de perto as demandas relacionadas à educação inclusiva, muitas das quais acabam chegando à Defensoria Pública quando os direitos não são efetivados. Segundo ela, a judicialização nem sempre decorre de má vontade dos gestores, mas, muitas vezes, da complexidade das normas e das mudanças legais impostas em curto espaço de tempo.
Para ela, a substituição do modelo baseado em estagiários por profissionais de apoio qualificados representa um avanço fundamental, uma vez que pessoas com deficiência necessitam de acompanhamento especializado para garantir não apenas o acesso, mas também a permanência e o desenvolvimento no ambiente escolar.
Representando as famílias, a mãe atípica Patrícia da Silva Leandro trouxe um depoimento marcado pela vivência cotidiana dos desafios da inclusão escolar. Mãe de Davi, de 16 anos, ela relatou que o filho está há oito anos na rede pública de ensino e destacou que o ingresso na escola pública foi um divisor de águas em sua trajetória, especialmente no início do processo de alfabetização, o que a fez reconhecer a importância e o potencial da educação pública.
Patrícia relembrou, no entanto, que o percurso ao longo dos anos foi marcado por dificuldades, frustrações e promessas não concretizadas. Segundo ela, muitas vezes o aprendizado não ocorre de forma qualificada, fazendo com que o estudante seja tratado apenas como mais um número dentro do sistema. Ao abordar a atuação dos estagiários, Patrícia ressaltou que não se trata de desmerecer o trabalho desses profissionais, que tiveram papel importante na trajetória de Davi, mas de reconhecer que crianças e adolescentes com deficiência necessitam de acompanhamento mais qualificado e estruturado. Para ela, a ausência de formação adequada e de condições de trabalho prejudica tanto os estudantes quanto os próprios estagiários, que acabam assumindo responsabilidades para as quais não estão preparados.
Em sua fala, a mãe enfatizou que inclusão vai além de adaptações físicas e envolve sensibilidade, empatia e atenção não apenas ao aluno, mas também às famílias, que muitas vezes enfrentam negativas e retornam para casa desmotivadas e fragilizadas. Por fim, ela defendeu uma atuação integrada entre educação, saúde e assistência social e afirmou acreditar na capacidade de aprendizagem das crianças com deficiência, desde que encontrem profissionais qualificados, comprometidos e sensíveis.
O vereador Rogério Tistu (PP) destacou, em sua manifestação, que a pauta da inclusão não pertence a um parlamentar específico, mas deve ser assumida coletivamente pelo Legislativo e pelo poder público. Sensibilizado pelos relatos, afirmou que também compartilha do cansaço diante de promessas que, muitas vezes, não se concretizam, reforçando a necessidade de avanços reais e efetivos.
Rogério ressaltou sua atuação em defesa das pessoas atípicas, com atenção especial às pessoas com transtorno do espectro autista, lembrando que é autor da Lei Municipal nº 3.044/2023, que institui uma política pública voltada para autistas e pessoas atípicas em Viçosa. O vereador também chamou atenção para dificuldades enfrentadas pelas famílias no transporte escolar e no cumprimento da legislação de zoneamento, defendendo a análise de exceções em situações específicas, especialmente quando envolvem crianças com deficiência.
Ao responder aos questionamentos apresentados durante a audiência, a secretária Renata informou que a Prefeitura já iniciou a construção de um atendimento intersetorial envolvendo as áreas de educação, saúde e assistência social. Segundo ela, uma comissão com representantes desses setores trabalha na elaboração de um protocolo de encaminhamento direto para alunos da rede municipal, com prioridade para crianças em situação de vulnerabilidade social, que representam cerca de 30% dos estudantes.
De acordo com a secretária, o protocolo tem como objetivo agilizar o acesso a atendimentos complementares, como fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, prática esportiva e fornecimento de medicamentos, conforme as necessidades identificadas pela escola.
Renata reconheceu que nem todas as unidades escolares possuem acessibilidade arquitetônica adequada. Ela destacou que sete novas escolas de educação infantil já serão entregues com estrutura acessível, enquanto a adaptação das unidades mais antigas ocorrerá de forma gradual, conforme a disponibilidade de recursos.
Sobre a formação dos profissionais, explicou que a capacitação mínima de 180 horas é exigida para ingresso no cargo de profissional de apoio, mas garantiu que a Secretaria irá implantar um cronograma de formação continuada para toda a rede. A secretária também informou que o município já conta com intérpretes e instrutores de Libras e que o atendimento em Braille será disponibilizado sempre que houver demanda.
Em relação à política de inclusão, Renata reforçou que todos os alunos pertencem à sala regular e têm como referência o professor regente. O profissional de apoio, segundo ela, atua como suporte à turma, especialmente em demandas de locomoção, alimentação e higiene, evitando a criação de vínculos de dependência que possam comprometer o desenvolvimento dos estudantes.
A secretária esclareceu ainda que o estudo de caso não substitui o laudo médico, mas permite à escola identificar e implementar as adaptações pedagógicas necessárias, independentemente do diagnóstico clínico, cuja atribuição permanece sendo médica. Por fim, afirmou que a Secretaria pretende ampliar o diálogo com tradutores e intérpretes de Libras, fortalecer a educação bilíngue de surdos e avançar na nomeação de profissionais aprovados em concurso, garantindo continuidade no atendimento e qualificação permanente.
Ao encerrar a audiência pública, o vereador Idelmino destacou como principal encaminhamento a aprovação da lei que cria a norma jurídica para regulamentar a política municipal de inclusão. Segundo ele, após a aprovação da legislação, caberá à Secretaria Municipal de Educação dar andamento imediato ao processo seletivo para os profissionais previstos, respeitando os prazos legais de publicação e ampla divulgação.
Entre os encaminhamentos apresentados, Idelmino ressaltou ainda a necessidade de reconstrução do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, com indicação de representantes dos órgãos públicos e da sociedade civil. Também foi apontada a importância de um levantamento atualizado do número de pessoas com deficiência no município, trabalho que deverá envolver a Secretaria de Saúde, as unidades básicas e os agentes comunitários, que mantêm contato direto com a população.
Outro ponto destacado foi a solicitação para implantação de audiodescrição nas transmissões da Câmara Municipal, ampliando a acessibilidade aos trabalhos legislativos. Ao finalizar, o vereador agradeceu a participação do público presente e dos que acompanharam remotamente, enfatizou que o tema da inclusão, especialmente no ambiente escolar, ainda demanda muitos avanços e afirmou que os encaminhamentos discutidos serão consolidados nos próximos dias.
Foto: Divulgação/Câmara de Viçosa