Audiência Pública discute o sistema de Cotas nas universidades e no serviço público

por adm publicado 22/11/2023 12h10, última modificação 23/11/2023 10h54

Aconteceu, segunda-feira (21 de novembro), no plenário da Câmara Municipal de Viçosa, a Audiência Pública que discutiu o tema “Ocupar espaços de direitos: as cotas nas Universidades Brasileiras e no Serviço Público Municipal”. A sessão atendeu ao Requerimento nº 087/2023, de autoria do Vereador Bartomélio Martins (Professor Bartô (PT).

Compondo a Mesa Diretora, ao lado de Bartô, que dirigiu os trabalhos, estiveram Adriane Pinheiro Tiradentes, diretora do Centro Municipal de Educação Dr. Januário de Andrade Fontes e membro da Comissão de Cotas do Concurso e Processo Seletivo da Prefeitura de Viçosa; Marcos Nunes, Secretário Municipal de Educação; Maria Aparecida de Jesus, diretora Pedagógica da Secretaria de Educação e presidente da Comissão de Cotas Raciais da Prefeitura; Carlos Daniel Borges Santos, coordenador Geral do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Viçosa (UFV); Julius Keniata Nokomo Alves da Silva, membro da Rede SAPOQUI - Rede de Saberes dos Povos Quilombolas da Zona da Mata e morador do Quilombo Buieié. Também estiveram presentes no plenário os vereadores Daniel Cabral (PCdoB), vice-presidente da Casa Legislativa, Marly Coelho (PSC) e Jamille Gomes (PT). Compondo a Mesa Central, estiveram presentes Júnia Marise Souza, professora do Departamento de Serviço Social da UFV; Rosângela Aparecida de Souza, membro da Comissão de Cotas Raciais e professora da Rede Municipal; Luiz Carlos Vitor, mais conhecido como Mestre Garnizé, presidente fundador da Associação de Capoeira Guerreiros de Zumbi e Teresinha de Jesus Ferreira, funcionária da Universidade Federal de Viçosa, Integrante da Comissão de Cotas para Negros do Vestibular da UFV e Coordenadora da UNEGRO, União de Negros pela Igualdade. 

Dando início a audiência, Marcos Nunes, em seu momento de fala, saudou todos os presentes no plenário, e falou sobre o desenvolvimento de diversas atividades na Semana da Consciência Negra. “Já tem cobrança na própria rede municipal, que a gente estabeleça de forma definitiva no calendário escolar. Iremos debater para que isso seja implantado de maneira permanente”, disse Marcos. Em seguida, o secretário de Educação pediu licença para estar no plenário, alegando que sentar na Mesa Diretora em uma audiência de Cotas, não era seu lugar de fala. “Eu agradeço, desejo um ótimo debate, eu vou pedir licença, para depois da minha fala eu poder sair, porque acho que esse aqui hoje não é meu lugar de fala. Eu estou aqui realmente para aprender, vou estar na platéia, mas eu quero parabenizar você (Bartô) e todos os presentes, vereadores presentes, porque esse debate, é um debate que precisa ser feito”, alegou Marcos. 

“Na história de Viçosa, poucas pessoas sabem. Isso não é contado nas escolas, mas Viçosa era uma cidade escravocrata. É uma cidade formada a partir de mão de obra escrava. Temos uma série de registros públicos que demonstram isso. Estou aqui para dizer que nosso conhecimento é sim, sistematizado, só não chega nas pessoas corretas”, disse Julius Keniata. Dando sequência, ele ainda ressaltou que Viçosa era um grande pólo regional da Zona da Mata na produção de café, e que para que isso acontecesse, foi utilizado mão de obra escrava. “Arthur Bernardes, para construir a Universidade, destruiu 12 fazendas. Ele comprou essas terras, e derrubou, o que eram fazendas escravocratas. Está mais do que provado, que a escravidão em Viçosa é sim um fato”, reiterou. Sobre as cotas, Julius falou sobre a importância da construção de políticas de igualdade. “Nós entendemos que é necessário, que somente através de uma Legislação, a gente conseguiria ocupar os espaços públicos. Porque ainda existe um pacto da branquitude, em que as pessoas continuam mantendo as relações de poder e não permitem que nós negros e negras acessemos esses espaços”, completou. 

Logo após, Maria Aparecida, presidente da Comissão de Cotas do Município, usou seu tempo de fala para dizer sobre o aumento da autodeclaração de pretos, pardos e indígenas. “Houveram mais de 500 autodeclarados nos concursos para os cargos que serão dados início em 2024. No último concurso, foram cerca de 150, em 2021”, disse a presidente. 

Em seguida, Adriane Pinheiro, retomou a questão do Dia da Consciência Negra se tornar parte do calendário escolar, além de outras datas, como o Dia da Abolição da Escravatura. “Para que a comunidade negra, preta, marrom, bombom, para que ela possa aprender a se amar, se olhar e se identificar. Isso só ocorre através da educação, do debate, da discussão, da representação e da ocupação desses espaços. Porque muitas vezes, o preto é invisibilizado”, disse Adriane. Em seguida, ela relatou uma situação de invisibilidade que sofre como diretora “as pessoas chegam na escola, e já vão cumprimentando os brancos, e eu fico só olhando. Mas isso acontece, até hoje, em Viçosa”, relatou. 

Em continuidade, Carlos Daniel, falou não só sobre a desigualdade entre pretos e brancos, e na dificuldade do acesso a espaços públicos, mas também, da permanência dos pretos nesses espaços. “A gente discute muito sobre o acesso do negro à universidade, mas pouco falamos sobre a permanência dele nesse espaço. O estudante negro entra na universidade sem nenhum auxílio, muitas vezes vindo de uma realidade que é completamente diferente. Além do debate de cotas, precisamos olhar para esses estudantes e entender o que ele está precisando. O que está impedindo de se formarem. Porque sabemos que aumentou o número de estudantes que entram na universidade, mas o número de pretos que se forma ainda é desproporcional, abaixo do que a Lei de Cotas sugere, o que demonstra a importância de debate sobre o tema”, reiterou Carlos. 

Para servir de exemplo para seus alunos, Bartô, que é professor da rede pública, contou que o programa Carrossel, possui uma frase extremamente marcante: “Cala a boca Cirilo! Todos falam de forma sincronizada. Na versão reformulada, eles deram uma amenizada no racismo, mas não tiraram o ‘cala a boca Cirilo’. Esse silenciamento que a escola faz, muita vezes não é debatido, não é discutido. É um desafio, o Carlos aqui trazendo, e nós estamos em um espaço desafiador. A Adriene falou sobre ser a única diretora negra, e com os professores não é diferente. De mais de quarenta professores, apenas cinco são negros”, disse o parlamentar. 

Por fim, Bartô agradeceu a presença de todos no plenário, os convidados, parlamentares e servidores da Casa Legislativa. “Espero que a partir dessa Semana (da Consciência Negra) que foi feita por diversas mãos, por diversos coletivos, possamos prosseguir com tantos compromissos e tantos encaminhamentos que nós temos. Muito obrigado a todos e todas, continuamos firmes e fortes, porque essa luta é nossa”, finalizou.

*texto do estagiário Oscar Berg sob a supervisão de Mônica Bernardi